sábado, 26 de abril de 2008

EVAGELHOS PROCRIFOS: HISTORIA QUE A BIBLIA NAO CONTA (3º PARTE)

A HISTORIA DE MARIA Sobre a história de Maria de Nazaré, mãe de Jesus, os evangelhos canônicos guardam inquietante silêncio. O mesmo pode ser dito em relação a José, que simplesmente desaparece da vida de Jesus sem nenhuma explicação. Os apócrifos, porém, fornecem dados interessantes. José aparece atuante em várias passagens, coordenando os deslocamentos da Família durante o exílio egípcio e, mais adiante, participando da educação do menino, iniciando-o no ofício de carpinteiro, cuidando de sua formação social e religiosa. Mais de uma vez, Maria e José procuram, ainda que em vão, manter o sigilo sobre os poderes do filho. Também ensinam ao imaturo Jesus o dever de usar o seu poder somente para o bem, como no ocasião em que matou um menino, e os pais do defunto se aproximaram de José dizendo: "Com um filho como esse, de duas uma: ou não podes viver com o povo ou tens de acostumá-lo a abençoar e não a amaldiçoar, pois causa a morte aos nossos filhos" [EVANGELHO DE TOMÉ, IV]. Nos evangelhos canônicos, o papel de Maria é pouco destacado especialmente no período da pregação e na posterior difusão do cristianismo, registrada nos Atos Apóstolos. Na Bíblia, é possível inferir que Maria acompanhou de perto a missão de Jesus, vivendo entre seus seguidores; não existe, porém, nenhuma referência à convivência de Maria e sua relação com os Apóstolos e sua própria atuação como apóstola. Ela aparece nas Bodas de Canaã, quando solicita ao Filho que providencie vinho para o casamento, posto que já faltava a bebida e o noivo passaria por grande constrangimento. Jesus, ainda que argumentasse "Não chegou a minha hora", levanta-se e transforma água em vinho, milagre da transubstanciação, seu primeiro milagre público e notório, segundo os livros canônicos. Vem daí o dito popular, sobre alcançar graças divinas: "Peça à Mãe que Filho atende". Mais adiante, Maria, acompanhada dos irmãos de Jesus [que se deduz serem filhos de José anteriores à união com Maria], procura acercar-se do Mestre que está cercado de discípulos. Alguém anuncia à Jesus que sua mãe está ali. A resposta é quase áspera: sua? seus irmãos? São todos, todos aqueles que o seguem. Na Via Crucis, caminho para o Calvário, Maria encontra Jesus martirizado. Aos pés da cruz, recebe a incumbência de ser a Mãe de toda a Humanidade. Depois da Ressurreição e da Ascensão de Jesus aos céu, é através de Maria [que nesta passagem, Pentecostes, parece desempenhar um papel mediúnico] que o Espírito Santo se manifesta para dotar os Apóstolos das capacidades necessárias à tarefa da Evangelização: poder de curar doenças do corpo e da alma, de ressuscitar os mortos, de falar línguas estrangeiras. Finalmente, Maria, tal como Jesus, não se retira do mundo pela morte, mas sobe ao céu onde é coroada rainha entre os anjos e santos de Deus. Nos Apócrifos, a presença de Maria é mais constante e, sua apresentação como personagem da biografia de Jesus e precursora do cristianismo é mais completa. No chamado Proto-evangelho de Tiago, a origem de Maria, sua família, seu nascimento imaculado, sua infância no Templo, onde era alimentada pelos anjos, a anunciação, são relatados minuciosamente. Em outro apócrifo, de Bartolomeu, a própria Maria descreve a aparição do anjo Gabriel. Os pais de Maria, Ana e Joaquim, eram estéreis, não tinham filhos. Em Israel, isso era considerado um fato muito desabonador. Joaquim era um homem rico, o que contrasta e até contradiz a tão enfatizada pobreza da Sagrada Família, posto que Maria, sendo filha única e de família prestigiada, foi herdeira de um patrimônio considerável. Segundo narram as memórias das doze tribos de Israel, havia um homem muito rico, de nome Joaquim... [Porque não tinha filhos] ... Joaquim mortificou-se tanto que se dirigiu aos arquivos de Israel, com intenção de consultar o censo genealógico e verificar se, porventura, teria sido ele o único que não havia tido prosperidade em seu povoado. Examinando os pergaminhos, constatou que todos os justos haviam gerado descendentes. Lembrou-se, por exemplo, de como o Senhor deu Isaac ao patriarca Abraão, em seus derradeiros anos de vida. Joaquim ficou muito atormentado... e se retirou para o deserto. Ali armou sua tenda e jejuou por quarenta dias e quarenta noites, dizendo: — Não sairei daqui nem sequer para comer ou beber, até que não me visite o Senhor meu Deus. Que minhas preces me sirvam de comida e de bebida. [Sua mulher, Ana, lamentava-se e orava] ... — Ó Deus de nossos pais! Ouve-me e bendize-me da maneira que bendisseste o ventre de Sara, dando-lhe como filho Isaac! ... Eis que se lhe apresentou o anjo de Deus, dizendo-lhe: — Ana, Ana, o Senhor escutou teus rogos! Conceberás e darás à luz e de tua prole se falará em todo o mundo. PROTO-EVANGELHO DE TIAGO Da gravidez imaculada de Ana, produzida sem relação sexual, nasceu Maria que, até pelas circunstâncias miraculosas de sua geração, desde sempre, foi considerada santa e como santa, foi consagrada ao Senhor. Até os três anos, morou na casa dos pais onde foi erigido um oratório e nenhuma coisa impura passava por suas mãos. Para entretê-la, foram chamadas donzelas "hebréias, todas virgens". Ao completar o terceiro ano de vida, Maria foi morar no Templo onde recebia alimento pelas mãos de um anjo. Aos doze anos [segundo Bartolomeu], "para que ela não chegue a manchar o santuário", foi acertado seu casamento com José, que seria, antes, um guardião da Virgem consagrada ao Senhor, e não um marido no sentido carnal. Nas palavras do sacerdote: "A ti coube a sorte de receber sob tua custódia a Virgem do Senhor". Ao que parece, Maria não engravidou logo depois de ser colocada sob a tutela de José. No evangelho de Tomé, consta que ela Maria ficaria grávida de Jesus aos 16 anos, episódio da Anunciação que ela mesma conta no texto do Evangelho de Bartolomeu: * IMAGEM: Francisco de Zurbarán [1632-33] ─ The Young Virgin The Metropolitan Museum of Art, New York City. Estando eu no templo de Deus, aonde recebia alimento das mãos de um anjo, apareceu-me certo dia uma figura que me pareceu ser angélica. Mas seu semblante era indescritível, e não levava nas mãos nem o pão nem o cálice, como o anjo que anteriormente tinha vindo a mim. Eis que de repente, rasgou-se o véu do templo e sobreveio um grande terremoto [Aliás, em Israel, qualquer babado forte=evento dramático faz rasgar o véu do templo, meditemos na estilística...]. Joguei-me por terra, não podendo suportar o semblante do anjo, mas ele estendeu-me sua mão e levantou-me. Olhei para o céu e vi uma nuvem de orvalho que aspergiu-me da cabeça aos pés. Então ele enxugou-me com o seu manto e disse-me: salve, cheia de graça, cálice da eleita. Deu, então, um golpe com sua mão direita e apareceu um pão muito grande, que colocou sobre o altar do templo. Comeu em primeiro lugar e em seguida deu-o a mim também. Deu outro golpe com a ourela esquerda de sua túnica e apareceu um cálice muito grande e cheio de vinho. Bebeu em primeiro lugar e em seguida deu-o a mim também. E meus olhos viram um cálice transbordante e um pão. Disse-me, então: ao cabo de três anos, eu te dirigirei novamente minha palavra e conceberás um filho pelo qual será salva toda a criação. Tu és o cálice do mundo. A paz esteja contigo, minha amada, e minha paz te acompanhará sempre. Após isto, desapareceu de minha presença, ficando o templo como estava anteriormente. EVANGELHO DE BARTOLOMEU Sobre a Virgem Maria, os Apócrifos possuem, embutidas em suas crônicas, inúmeras referências á santidade da mãe de Jesus, santidade posta a prova e sempre confirmada, desde que os sacerdotes descobriram sua gestação até seu desaparecimento místico, quando subiu ao céu. AS LENDAS Logo depois do parto, uma certa Salomé insistiu em confirmar, com a própria mão, a virgindade da jovem mãe. Ao tocar em Maria a mulher foi imediatamente castigada: XX Havendo entrado a parteira, disse a Maria: — Prepara-te, porque há entre nós uma grande querela em relação a ti. Salomé, pois, introduziu seu dedo em sua natureza, mas, de repente, deu um grito, dizendo: — Ai de mim! Minha maldade e minha incredulidade é que têm a culpa! Por descrer do Deus vivo, desprende-se de meu corpo minha mão carbonizada. Dobrou os joelhos diante do Senhor, dizendo: — Ó Deus de nossos pais! Lembra-te de mim, porque sou descendente de Abraão, Isaac e Jacó! Não faças de mim um exemplo para os filhos de Israel! Devolve-me curada, porém, aos pobres, pois que tu sabes, Senhor, que em teu nome exercia minhas curas, recebendo de ti meu salário! Apareceu um anjo do céu, dizendo-lhe: — Salomé, Salomé, Deus escutou-te. Aproxima tua mão do menino, toma-o e haverá para ti alegria e prazer. Acercou-se Salomé e o tomou, dizendo: — Adorar-te-ei, porque nasceste para ser o grande Rei de Israel. De repente, sentiu-se curada e saiu em paz da gruta. Nisso ouviu uma voz que dizia: — Salomé, Salomé, não contes as maravilhas que viste até estar o menino em Jerusalém. EVANGELHO DE TOMÉ Nos primeiros anos da infância de Jesus, muitas vezes, Maria, compadecida, tomou a iniciativa de aproximar o filho dos doentes a fim de que se curassem. Os milagres com as fraldas, a água do banho o pelo contato físico com o menino eram suficientes para curar s males dos leprosos, mudos, cegos, os moribundos, os possuídos por demônios. O povo, extasiado com as virtudes divinas de Jesus reverenciavam-no e reverenciavam também sua mãe, considerada igualmente santa, virtuosa, porque tinha dado ao mundo Aquele que era dotado do Espírito de Deus. Os Evangelhos Apócrifos, além dos dados biográficos, ausentes nos canônicos, contêm relatos com sabor de lenda e profecia: durante a infância, durante as andanças da Sagrada Família, o menino Jesus teria encontrado alguns personagens que reapareceriam mais tarde durante sua saga messiânica. Ainda era quase um bebê quando se deparou com os dois ladrões que seriam crucificados à sua esquerda e à sua direita: XXIII. OS SALTEADORES Chegaram, em seguida, a um deserto. Como lhes haviam dito que era infestado de ladrões, prepararam-se para atravessá-lo durante a noite. Eis que, de repente, avistaram dois ladrões que dormiam e, perto deles, muitos outros ladrões, seus companheiros, que também estavam entregues ao sono. Esses dois ladrões chamavam-se Titus e Dumachus. O primeiro disse ao outro: — Eu te peço que deixes estes viajantes irem em paz, para que nossos companheiros não os vejam. Tendo Dumachus recusado, Titus disse-lhe: — Dou-te quarenta dracmas e fica com meu cinto como penhor. Deu-lhe o cinto e, ao mesmo tempo, pediu que não desse alarme. Maria, vendo esse ladrão tão disposto a servi-los, disse-lhe: — Que Deus te proteja com sua mão direita e que ele te conceda a remissão de teus pecados". O Senhor Jesus disse a Maria: — Daqui a trinta anos, ó minha mãe, os judeus me crucificarão em Jerusalém e estes dois ladrões serão postos na cruz ao meu lado: Titus à minha direita e Dumachus à minha esquerda. Neste dia, Titus me precederá no Paraíso. EVANGELHO DE PEDRO Ainda na infância, Jesus conheceu Judas Iscariotes, que lhe bateu no peito no lugar da ferida que seria aberta pelo soldado romano. Conheceu Simão e Bartolomeu, seus futuros discípulos. O pote de bálsamo onde foi guardado seu prepúcio, depois da circuncisão efetuado no oitavo dia após o nascimento, foi o mesmo pote de bálsamo que a pecadora usou pouco antes da Paixão. V. A CIRCUNCISÃO Quando chegou o tempo da circuncisão, isto é, o oitavo dia, época na qual o recém-nascido deve ser circuncidado segundo a lei, eles o circuncidaram na caverna e a velha anciã recolheu o prepúcio e colocou-o em um vaso de alabastro, cheio de óleo de nardo velho. Como tivesse um filho que comercializava perfumes, Maria deu-lhe o vaso, dizendo: — Muito cuidado para não vender este vaso cheio de perfume de nardo, mesmo que te ofereçam trezentos dinares. E este é o vaso que Maria, a pecadora, comprou e derramou sobre a cabeça e sobre os pés de Nosso Senhor Jesus Cristo, enxugando-os com seus cabelos. EVANGELHO DE PEDRO Tradições como estas, lúdicas, que muito se aproximam da cultura do tipo folclórico foram, certamente, censuradas pelos teólogos encarregados de estabelecer quais seriam os evangelhos canônicos, reconhecidos como inspirados pelo Espírito Santo [essa coisa de reconhecer em um texto a marca de identidade do Espírito Santo, é outro ponto dogmático do cristianismo católico que mais se assemelham às práticas investigas espíritas...]. O objetivo da censura foi, muito possivelmente, banir do corpo da doutrina e da tradição oficiais, os excessos de prodígios, de fatos sobrenaturais que poderiam tornar Jesus uma figura algo semelhante a um mago; e a magia com todo o seu cortejo de mistérios era um tipo de pensamento religioso que a Igreja nascente combatia intensamente como máxima expressão do paganismo. Banindo os Evangelhos Apócrifos das leituras legitimamente cristãs, a Igreja buscou: 1. ocultar a humanidade chocante do menino Jesus, muitas vezes arrogante e impulsivo; 2. minimizar a importância dos aspectos lendários, folclóricos, tidos como fruto da imaginação popular; 3. evitar uma doutrina metafísica complexa para os leigos, repleta de alegorias que remetem à linguagem cifrada do Antigo Testamento que obrigaria a Igreja a desenvolver temas perigosos, escorregadios, como a vida após a morte e a origem do mal.

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